quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Ações e o "longo prazo". Ou: "Buy and Hold" ou "Buy and Hope"?

O ditado popular de que ação é um investimento para o “longo prazo”, geralmente é seguido pela estratégia de ir adquirindo um único ativo, de uma empresa “reconhecidamente sólida”, aos poucos, ao longo de meses ou anos, na esperança de que, no “longo prazo”, este ativo gere vultosos rendimentos.

Essa estratégia carrega uma série de problemas e armadilhas. Primeiro, como escrevi no meu último artigo “Ações: o que saber antes de investir?”, fica difícil saber o que é “longo prazo”. Até porque o significado de “longo prazo” varia de pessoa para pessoa. Exemplo: uma pessoa que se encontre na melhor idade, tem uma noção de “longo prazo” muito diferente da noção de uma criança ou adolescente.

Segundo, comprar ativos de uma única empresa faz aumentar o risco do investimento, como bem demonstrou Flávio Girão no seu artigo “Por que diversificar? Ou: devo colocar todos os ovos em uma única cesta?”. Outra pergunta de difícil resposta é: o que é uma “empresa sólida”? Essa empresa ainda vai existir no momento em que eu começar a resgatar meus investimentos?

Ao longo da história, apesar das principais bolsas de valores de todo o mundo continuarem funcionando até os dias atuais, muitas empresas, que já tiveram seus papéis negociados nestas mesmas bolsas, já não estão mais presentes, seja na bolsa, seja na sociedade. Algumas foram incorporadas, outras se fundiram e outras tantas faliram. Quando uma empresa fecha capital, recompra suas ações no mercado através de ofertas públicas. E se o preço da ação estiver muito abaixo do seu Preço Médio?

O sistema “Buy and hold” (B&H) consiste em ir adquirindo, regularmente, ações de grandes empresas, com elevados volumes de negociação em bolsa de valores (conhecidas como “blue chips”) e ficar com elas por um longo período de tempo. “Blue chips” são consideradas ações de primeira linha. Porém, os riscos, ao contrário do que se pensa, são muitos. Um dos problemas é a falta de garantias de que essa empresa existirá no “longo prazo”, já que não existe empresa inquebrável e a história está cheia de exemplos.

Fora do Brasil, o banco Lehman Brothers, fundado em 1850, foi o último grande exemplo de que até as empresas centenárias e "sólidas" estão sujeitas a desaparecerem. Se algum investidor estava fazendo B&H com as ações do Lehman Brothers, um dos maiores bancos de investimento norte-americano que não resistiu à crise econômica de 2008, certamente incorreu em prejuízo irrecuperável. Alguns deles, inclusive, não vão conseguir recuperar o capital perdido à tempo de se aposentar.

No Brasil, recentemente, tivemos alguns exemplos de empresa líderes de seu segmento e que ou foram adquiridas, ou se fundiram, ou desapareceram. O problema é o momento em que estes episódios aconteceram. Boa parte das ações encontrava-se com preços baixos. Quem estava fazendo Preço Médio com essas ações, dependendo do momento que entraram na bolsa, ainda estão correndo atrás do prejuízo.

Exemplos recentes de Sadia, Aracruz Celulose, Sharp, Net e Tam, nos servem como reflexão. São, ou eram, empresas reconhecidas e consideradas por muitos profissionais do mercado, em algum momento, como empresas “sólidas”. Dependendo do período em que uma pessoa tenha entrado na bolsa, se decidiu fazer B&H com os papéis de alguma dessas empresas, deve estar tentando recuperar o capital perdido até hoje. Quem entrou no IPO da Net, viu seu dinheiro virar pó. Pode ser até que muitos nunca mais recuperem o capital perdido.

Quando um ativo encontra-se em clara e forte tendência de baixa, quais seriam as justificativas para se adquirir mais deste ativo? Quais são as razões que levam uma pessoa a colocar cada vez mais capital em uma empresa que está em franca decadência e caminhando a passos largos rumo ao abismo? A esperança. Esperança de que um dia as cotações destas empresas voltem a patamares altos, satisfazendo suas expectativas de rentabilidade. Esqueçem, porém, que não é papel do mercado satisfazer as espectativas de ninguém.

Muitos utilizam o argumento da empresa estar “barata”. Será que a empresa está realmente “barata”? Por que não pode estar “cara”? Por exemplo, quem comprou ações da Net após ela ter sido lançada na bolsa e ter caído 50%, achando que estava muito “barata”, se olhar para trás, verá que na verdade a ação estava caríssima. “Barato” e “caro” são relativos no tempo e espaço. Cem reais por um litro de água no Brasil pode ser "caro". Os mesmos cem reais por um litro de água no meio de um deserto pode se tornar "barato".

Além dos riscos relacionados à empresa, ainda se corre os riscos inerentes ao mercado. Riscos estes que estão mais relacionados à economia global, ao desempenho de um determinado país, de um determinado mercado (renda variável), de parâmetros da economia, em suma, são os riscos que não estão diretamente relacionados à empresa, mas que também são refletidos na cotação de suas ações em bolsa. Os riscos podem ser divididos em dois: risco não sistemático (aquele relacionado à empresa) e risco sistemático (relacionado ao mercado).

Por que colocar o futuro de seus investimentos nas mãos de uma só empresa? Se suas expectativas a respeito desta empresa não se concretizarem, e ela vier a fechar, o que será de seus investimentos? Ao contrário do que se costuma acreditar, os riscos incorridos na estratégia B&H são enormes. Não existe uma saída de emergência ou um plano B. A estratégia consiste, basicamente, em comprar e torcer (pergunta: a estratégia é Buy and Hold ou Buy and Hope?).

A melhor opção seria investir em algo imune a falência ou falta de negociação. Isso existe? Sim. Como é Gustavo? Você ficou maluco? Ainda não! Resposta: os índices. Enquanto houver negociação em bolsa, vão continuar existindo índices. Os índices das bolsas são compostos por um conjunto de ativos que têm como objetivo refletir o desempenho da mesma. São diversificados por natureza.

O IBOVESPA é o principal índice da bolsa de valores de São Paulo. O IBOV, que é o seu código no mercado, nada mais é que uma carteira teórica composta de ativos, geralemente representantes de diversos segmentos da economia, que visa refletir o desempenho da BOVESPA.

A diversificação das carteiras diminui seu risco. Assim, se um ativo de uma empresa que compõe o índice venha a ter um desempenho "fraco" em relação ao restante do mercado, ou até mesmo venha a virar pó, o prejuízo é diluído, já que o percentual de participação do ativo, no índice, é apenas uma pequena parte da carteira e não o todo da carteira, como aconteceria se o mesmo investidor fizesse B&H com as ações dessa empresa.

Como posso investir no índice? Existem diversas maneiras diferentes de se investir visando obter um desempenho parecido com o do IBOV. A primeira, e mais fácil, é a aquisição de cotas de fundos de investimentos em ações que tenham como referência o IBOVESPA. Qualquer pessoa que tenha conta em banco é capaz de fazer esse tipo de investimento. O problema são as altas taxas de administrações que comem boa parte dos rendimentos. Existem outras opções e elas serão abordadas futuramente.

Outra pergunta: é proibido investir em um único ativo? Não, mas para isso acontecer é necessário estudo e dedicação. É necessário conhecer bem a dinâmica do mercado, conhecer alguma técnica de análise de ativos e ter um manejo de risco muito bem definido. No primeiro texto escrevi a respeito das armadilhas do mercado e do dinheiro “fácil”. No mercado existem excelentes oportunidades prontas para serem aproveitadas por quem estiver preparado para aproveitá-las.

4 comentários:

  1. Recordar é viver...

    Quando escuto alguém falando em "empresas sólidas", lembro logo da Paranapanema, Telebrás e Telemar. Cada uma, a seu tempo, dominou o pregão da Bovespa.

    Hoje, parte destas empresas e, respectivamente suas ações em bolsa, perderam boa parte de seu brilho e, os investidores que investiram suas economias em tais "empresas sólidas" certamente descobriram que a "blue chip" de hoje pode ser a ação esquecida de amanhã.

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  2. Bom dia Gustavo,

    Interessante sua abordagem, discordo de algumas partes relacionadas à diversificação. Penso que Markowitzs e William Sharpe, já demonstraram ao mundo com seus próprios erros, que o conceito de diversificação é mais complicado do que realmente aparenta ser.

    Com relação ao Buy and Hold penso que compartilhamos de uma mesma linha de pensamento, com algumas divergencias claro, mas a linha de pensamento parece seguir para um mesmo rumo. A "esperança" ou "tolice" dos investidores dessa idéia, parece ser o ponto chave da questão. Vou deixar abaixo três links para textos meus sobre o assunto, penso que poderá contribuir com as suas idéias.

    http://lauromartins.com/a-teoria-dos-ingenuos-um-estudo-sobre-a-falacia-de-siegel/

    http://lauromartins.com/%EF%BB%BFa-teoria-dos-ingenuos-dois-seculos-de-dados/

    http://lauromartins.com/a-teoria-dos-ingenuos-as-arvores-nao-crescem-ate-o-ceu/

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  3. Caro Lauro,

    Obrigado pelos comentários.

    De fato, a diversificação a La Markowitz, ou a precificação de ativos a La Sharpe nunca foram unanimidades na indústria financeira. Lembre-se que os próprios modelos de Markowitz e Sharpe vêm carregados de hipóteses que dificilmente se reproduzem na realidade.

    Entretanto, os modelos nada mais são do que simplificações da realidade e, nesse caso, tenho que dar o devido crédito aos citados autores.

    Além dos modelos acima citados, lembro-me do famoso Black & Scholes (B&S), para precificar opções, que é quase perfeito, não fosse um “detalhezinho”: o cálculo da volatilidade. Mais uma vez, o modelo não deve ser menosprezado, pois, o conceito por trás da fórmula B&S é de um didatismo brilhante.

    Bem, mais uma vez obrigado pelos comentários e pela oportunidade de conhecer o seu Blog, que certamente constará na nossa lista de favoritos.

    Atenciosamente,

    ABC do Dinheiro

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  4. Gustavo,

    De fato, através do seu texto, mais claro, impossível.

    Mas o dado mais curioso é que a grande maioria dos investidores leigos, não se conformam em simplesmente compreender e aceitar que somente existem "fronteiras" na realidade; e não "revelações".

    Diante da incerteza (futuro) não não se conformam que não exista uma fórmula ou um ritual pra anestesiarem o seu medo... mesmo que seja um vôo cego.

    PS - sobre B&S, noves fora, o conceito por trás da sua fórmula tem brilhantismo, sim. Mas somente brilhantismo estético. Porque ao se aplicar a fórmula, na prática, o seu resultado implica que as "variáveis" volatilidade (vega) e juros (rhô) sejam tratadas como "constantes"; e ainda por cima as mesmas são estimadas com dados do passado. E isso, aplicado ao mercado, é mais que uma simplificação da realidade: é distorcer perigosamente a realidade.

    Gde Abç, muito bom o blog.

    Parabéns,

    Alberto

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